19 de junho de 2008

A Educação Estatística

   A política de educação seguida pelo actual governo representa a meu ver tudo aquilo que um modelo de formação ou educação não deve ser.

Assistimos ontem a uma vigorosa defesa por parte da Sra. Ministra da Educação, Dra. Maria de Lurdes Rodrigues, dos recentes ‘bons’ resultados que os alunos dos 4.º e 6.º anos alcançaram nas provas nacionais de aferição de conhecimentos. Ao mesmo tempo a Sociedade Portuguesa de Matemática voltou a reiterar a excessiva acessibilidade e facilidade destes exames.

Não se trata aqui de saber se este exame em concreto era demasiado fácil ou pouco exigente, antes está em causa o grau de credibilidade da escola pública portuguesa e a sua capacidade de dotar os alunos portugueses de boas bases para que vinguem num mercado de trabalho cada vez mais global e cada vez mais competitivo.

Tenho para mim que a verdadeira reforma da educação e do ensino em Portugal é um projecto de médio prazo, o tempo necessário para, de facto, implementar e concretizar as profundas reformas que são precisas na escola pública. Os frutos de reformas profundas em sistemas educativos conhecem períodos longos de maturação porque naturalmente acompanham o crescimento dos alunos.

É por isso pouco crível, que um plano para a matemática, que começou a ser implementado nas escolas no ano passado, tenha alcançado os tão bons resultados que agora nos são apregoados. Mais ainda quando é público e notório que o problema da matemática em Portugal é verdadeiramente estrutural, uma vez que temos hoje professores nas escolas que resultam de um sistema educativo que conheceu as mesmas fragilidades senão mesmo superiores.

Não se pretende retirar mérito a quem fez as provas e as completou de maneira satisfatória. Motivar os alunos é algo de extremamente necessário, tal como o traçar os instrumentos de avaliação de acordo com o nível de ensino: o grau de exigência deve ser directamente proporcional à exigência na leccionação.

O que verdadeiramente me assusta neste episódio – reforçado e em linha com as posições adoptadas pelo Ministério desde que se encontra sob a tutela da Dra. Mª de Lurdes Rodrigues, e de que o exemplo último é a posição desta face às retenções, vulgo ‘chumbos’ – não são os resultados positivos que os exames apresentaram, mas sim a obsessão pelos resultados estatísticos, onde tudo vale desde que os índices de aproveitamento escolar subam.

Esta política de educação não dignifica o país e muito menos o prepara para responder aos desafios da globalização. As sucessivas apostas na educação falharam e continuam a falhar porque verdadeiramente ainda ninguém quis ver a educação como a grande aposta. E quando digo educação não me refiro à atribuição de diplomas e afins, refiro-me sim à verdadeira aposta no conhecimento e formação dos portugueses.

9 de junho de 2008

Debate Sério

" APESAR DE TANTO ELOGIO, REIS SÃO CADA VEZ MENOS

Foi por culpa da loucura do sobrinho que Gyanendra se tornou um dia rei do Nepal. Enraivecido pelo excesso de álcool e por um desgosto de amor, o príncipe herdeiro matou a tiro de metralhadora quase toda a família durante uma noite de Junho de 2001 e suicidou-se. De repente, o pequeno país dos Himalaias trocava o popular rei Birendra pelo seu irmão mais novo, um homem de negócios obcecado pelas virtudes da astrologia e que nunca conseguiu cair nas graças dos nepaleses. A recente vitória dos ex-rebeldes maoístas nas eleições para uma assembleia constituinte selou o destino de Gyanendra. Ao fim de apenas sete anos, a monarquia foi derrubada e o outrora todo-poderoso soberano é hoje uma figura solitária, refugiado num palácio em Catmandu que tem ordens para abandonar. O chefe dos maoístas, aliás, preferia que este tivesse logo abdicado. A uma televisão, Prachanda, "o irredutível", advertiu que "no passado houve monarcas que foram decapitados ou tiveram de fugir. Esperemos que não se repita no Nepal".

Matar monarcas foi comum na história, sempre com o pretexto de que se tratava de tiranos, gente indiferente ao sofrimento do seu povo. Que o diga Carlos I de Inglaterra, decapitado em 1649, Luís XVI, guilhotinado a seguir à Revolução Francesa de 1789, ou Alexandre II da Rússia, morto à bomba em 1881. Regicídios aconteceram igualmente na Suécia, na Itália, na Sérvia ou na Grécia. E até em Portugal, em 1908, sendo a vítima um D. Carlos que era tudo menos déspota (na verdade, um humanista, amante das artes e da ciência), mas que teve o azar de encarnar uma instituição que os republicanos estavam dispostos a derrubar. O que conseguiram num 5 de Outubro, passados dois anos. Os tempos estão diferentes. E Gyanendra é um ex-monarca com sorte.

É verdade que algumas monarquias constam entre os países mais ricos do mundo. A Noruega tem o segundo melhor índice de desenvolvimento, o Japão a segunda economia mais poderosa. Mas apesar da boa fama de que actualmente desfrutam os reinos (graças também ao sucesso de britânicos, espanhóis, suecos, dinamarqueses e holandeses), a verdade é que cada vez são menos. A última vez que uma monarquia se extinguiu foi em 1979, com o triunfo da Revolução Islâmica no Irão. Agora, com a deposição de Gyanendra ficam a ser 43 (em mais de 190 países na ONU) e mesmo assim cerca de dezena e meia partilham como soberana Isabel II de Inglaterra.

Portugal celebra dentro de dois anos o centenário como república. E se existem monárquicos orgulhosos, pouca gente imagina, porém, o Presidente Cavaco Silva a ceder o lugar a Duarte Pio de Bragança. O que não significa que faça sentido a recente patetice de pôr em causa a nacionalidade do candidato ao trono. Segundo o semanário Sol, alguém invocou a lei que baniu a família real do País para questionar o portuguesismo de Duarte Nuno, pai de Duarte Pio, ou mesmo se o actual duque de Bragança nasceu mesmo na Embaixada em Berna. Que o queiramos para rei é discutível, mas que é português, basta vê-lo e ouvi-lo para ter toda a certeza disso. "

Leonido Paulo Ferreira
leonido.ferreira@dn.pt
Jornalista

in Diário de Notícias, 09 de Junho de 2008


Este Comentário é para mim a prova de que o debate sobre regime se pode fazer de forma civilizada sem cair nos ataques pessoais em que o debate monarquia/ república recorrentemente cai em Portugal. Fica o meu muito obrigado ao jornalista Lionido Ferreira. Ainda que discorde em absoluto das conclusões a que chega. 
Haja debate de ideias, e que o haja de forma séria e com mútuo respeito!