13 de janeiro de 2007

A um mês do referendo

A um mês do referendo, o jornal Público divulgou na sexta-feira uma sondagem realizada pela Intercam- pus sobre o referendo ao aborto: 62% afirmam que vão votar com toda a certeza, enquanto 38% já assumem algumas reservas quanto à possibilidade de ir votar. A ser este o resultado, estariam por isso largamente assegurados os necessários 50% para que o referendo fosse vinculativo. A sondagem revela ainda que o sim ganharia por uma larga margem: 67% respondem que votariam sim, contra apenas 33% que votariam não à despenalização da IVG.

Esta sondagem obviamente agradará aos partidários do sim, mas não devia. Existe um conjunto de razões que sugere cautela aos partidários do sim, entre os quais me conto, em relação a estes dados.

Em primeiro lugar, não é de mais lembrar que uma sondagem reflecte a realidade da opinião pública nesse momento e não o que será o resultado final. Quanto maior o tempo que medeia entre a sondagem e a consulta popular, maiores as probabilidades de haver diferenças entre os resultados de uma e de outra. Entre esta sondagem e o referendo decorrerá todo o período de campanha: a julgar pelo número de movimentos registados (até quinta- -feira estavam registados 15 movimentos que irão fazer campanha pelo não; e seis movimentos pelo sim), e os argumentos esgrimidos, a campanha arrisca-se a azedar. Quando esta começar, é possível e mesmo provável que haja mudanças de posicionamento por parte do eleitorado. Os estudos sobre comportamento eleitoral que visam as eleições legislativas e presidenciais em Portugal têm mostrado que cerca de um quinto do eleitorado toma a sua decisão de voto nas últimas duas semanas. Numa questão relativamente complexa como o aborto, a natureza dos argumentos a que se é exposto deverá ser fundamental para a decisão final.

Em segundo lugar, as próprias sondagens publicadas em que um lado surge como vencedor à partida, tal como esta, podem ter um efeito perverso: neste caso, a sondagem pode desmobilizar os partidários do sim, na medida em que estes poderão considerar que o seu voto é desnecessário à vitória que já se afigura como certa; pelo contrário, a esta sondagem irá mobilizar o campo do não, onde claramente todos os votos são cruciais. Novamente, a campanha torna-se fundamental para manter o interesse e impedir a desmobilização do "sim".

Em terceiro lugar, e como exercício de lucidez, vale a pena olhar para sondagens realizadas em igual período no anterior referendo ao aborto de Junho de 1998. Antes disso, recordemos os dados-chave desse referendo: apenas 32% dos portugueses foram votar; destes, 51% votaram contra e 49% votaram a favor da despenalização. Ressalvando as devidas diferenças metodológicas, uma sondagem do Expresso/Euroexpansão elaborada a um mês desse mesmo referendo e publicada a 6 de Junho de 1998 declarava que "a esmagadora maioria dos portugueses (81%) tem a intenção de votar no referendo sobre a despenalização do aborto, dia 28 de Junho. Ainda de acordo com esta consulta, o 'sim' ganha por 25 pontos percentuais e o número de indecisos é consideravelmente baixo: a cerca de um mês da realização do referendo, apenas 9% ainda não sabem como irão votar." Outras sondagens realizadas antes do referendo de 1998 corrobora- vam as conclusões do Expresso, nomeadamente as publicadas pelo Diário de Notícias. Embora as sondagens mais próximas do dia da consulta fossem indicando que a diferença percentual entre os apoiantes do "sim" e os apoiantes do "não" diminuía, estas sondagens davam a vitória ao "sim".

Em quarto lugar, e tal como é referido no Público de ontem, os dados devem ser olhados com cautela porque nesta sondagem são os jovens (18-34 anos) o grupo etário que está neste momento mais convicto de que vai votar, com apenas 8% indicando não ter intenção de o fazer. Ora todos os estudos existentes nacionais e internacionais mostram que são precisamente os jovens os que se abstêm mais. Há boa vontade e boas intenções, mas no próprio dia é este grupo etário o que mais falha no seu dever de voto.

Estas considerações devem ser suficientes para que a mobilização não seja descurada pelos partidários do sim. Não quer isto dizer que aprove a medida anunciada na sexta-feira pela RTP, de colocar os tempos de antena às 19.00 de forma a minimizar o impacto dos movimentos de cidadãos maioritariamente a favor do não. Este é claramente um atentado contra a participação da sociedade civil que o PS tantas vezes apregoa, e é por isso inaceitável. O PS e o Governo devem tentar moldar e dominar o debate, mas não através da mudança das regras do jogo a meio, e sim pelos argumentos de que dispõem.


Marina Costa Lobo
marinacosta.lobo@gmail.com
Politóloga

in Diário de Notícias, 13 de Janeiro de 2007


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