26 de abril de 2005

Alentejo

Entre Vistas,

de António Esteves, Jornalista

É por ele que vamos. Pelo silêncio de ouro, riqueza máxima da nossa paciência desgastada por dias e dias de uma guerra que vai crescendo em sobressalto. É por ele que vamos, pelo som ausente dessa angústia que nos enche o écran a cada hora - o som da guerra que mata. Na morte também há silêncio, mas nós procuramos a tranquilidade em vida, sem perigos nem desassossegos.


Procuramos um palmo de terra onde não descansaremos eternamente, e ainda bem, mas onde vamos pousar os esqueletos para um repouso mais que merecido. Alguém diz que é no Alentejo que sabe bem não fazer nada. Que lá o descanso rende mais que o petróleo do Iraque. Terra de molezas e outros prazeres, o Alentejo é também o aconchego de gente que trabalha de sol a sol e que não merece a fama de preguiçar desalmadamente. É nos rostos morenos de quem faz da planície morada permanente que está a prova de uma vida digna, de muito esforço e pouco ócio.


Os povos são o que são e adaptam-se ao clima que os acolhe. E se é verdade que este cantinho à beira do Atlântico é tão pequeno que se mede sem grandes trabalhos, também não será menos verdade que é possível encontrar climas diversos nesta nesga de pátria. E o alentejano - o clima - é impiedoso e castigador.


Ai de quem se obriga ao arar da terra debaixo do astro que abrasa e não perdoa nenhum descuido. Num destes verões, de costas a descoberto, parecia que uma labareda caída do céu me tinha vindo morder a pele. Apressei-me a ajeitar o agasalho e percebi o que deve sofrer quem tem de se sujeitar a horas sem conta a estes tormentos para plantar na planície o dourado que tanto amamos. É o verde que se queima depressa e nos dá as tonalidades próprias que baptizaram os campos de "planícies douradas". É por isso que as azinheiras e os sobreiros das anedotas são muito úteis para uma sesta ao fresco, não por preguiça, apenas para retempero das forças que faltam muito cedo.



Ai de quem não tenha água fresca trancada no cântaro de barro com rolha de cortiça para saborear numa das raras sombras que salpicam o horizonte queimado pelo brasido. Os alentejanos não preguiçam, repousam e retemperam-se para novas trabalheiras, essa é que é essa.



Saímos de manhã. Para ti já é tarde. Custa-me madrugar e para mim às dez é cedinho. Não há sol para aquecer a viagem mas vamos na mesma. A música quase não se ouve, mas as melodias vão embalando a viagem que decidimos fazer em marcha lenta. Estamos a saborear um dos raros momentos em que o relógio não marca o passo e por isso nem queremos saber o que dizem os ponteiros. Não dizem nada. Dizemos nós que queremos parar em Montemor para o almoço.


Por desventuras que agora não vêm ao caso acabamos em Évora, com o céu num choro diluviano e nós a correr pelas ruas de uma das cidades mais bonitas do país. Temos fome e acabamos abrigados perto da morada que o Luís Rêgo nos deu, à pressa, pelo telefone. Como é que um alentejano consegue falar tão depressa? Ele fala, em cinco minutos deu três sugestões e nenhuma servia. Mas que diabo não há restaurantes abertos em Évora aos sábados à tarde? Há sim senhor, diz o Rêgo. E se ele diz. Ele diz até muitas coisas, mas costuma acertar mais quando fala para a televisão. O Rêgo - diacho de apelido - é o homem da SIC no Alentejo, ele e o Xô Rebêro (Sr. Ribeiro) fazem uma parelha infernal de jornalistas. Logo hoje é que aquelas almas não acertam uma e nos fazem correr as ruas, belas sem dúvida, de Évora.


Abrigados no telheirinho do "Botequim da Mouraria" decidimos entrar. Meu Deus não pode ser! Estamos enganados. Pois estamos! É um café. Só tem balcão. É para almoçar? Pergunta um senhor de ar divertido. Era, mas já vi que não podemos. Podem sim senhor, façam favor de se sentar. Olha pois é, não há mesas. A um canto do balcão está o Fernando Madrinha, do Expresso. Bom sinal, penso eu. E pensei bem. Sendo o Expresso autor de um dos melhores guias que conheço, de quase tudo, estranho seria que um dos responsáveis pela coisa se deixasse enganar. Não deixou.


Logo na entrada uma coisa de que gostas tanto. Queijo. Mas este não é um queijo qualquer. A menina gostou? Hummm?! Xim, xim... Ai não gostou! Logo tu que adoras queijo. Mas este é sem dúvida algo de extraordinário. Este vai ao lume, fica derretido e leva um tempero delicioso. Só provando. Indescritível!


O sítio não é um restaurante comum, pode dizer-se que é um snack-bar com uma garrafeira de fazer inveja e muitos petiscos. Presunto de Barrancos, Farinheira Assada, Queijinho de Ovelha, Ovinhos de Codorniz com Paio de Porco Preto, Ovos Mexidos com Espargos Bravos e Torresmos de Rissol. Ao almoço, servem também pratos regionais, como Sopa de Cação, Migas de Espargos com Carne de Porco, e os pratos de Caça. Em sobremesas: Queijadas de Évora ou Encharcadas de Mourão. Na garrafeira exposta há, acredite ou não, praticamente todos os vinhos do Alentejo. Preço médio: 20 euros. Com vinho, como é evidente.


Já lá tínhamos passado de dia, mas voltámos para jantar à noite. O teu guia, que guardas com um desvelo religioso, diz que lá na terra - em Borba - há um restaurante que merece uma visita. Vamos nisso. Depois de um périplo alentejano estamos cansados e apetece um jantar com sabores da região para recuperar.
Monsaraz é terra bonita e abriu-nos o apetite. Vila Viçosa está cada vez mais bonita e elegante, vestida de mármores coloridos e muito polidos. Tem um ar frio, ainda mais hoje que chove a potes, mas deve ser um paraíso nos dias escaldantes no Verão. Estremoz também é terra de muitos atributos, mas já lá vamos. Agora estamos em Borba, nas ruas estreitas e encharcadas pelo temporal, de nariz levantado em busca da placa que não aparece. E de repente, sem querer, ouvimos um rumor que chega por uma fresta de uma porta mal fechada. Tu achas que é ali. E se tu achas é porque é mesmo. És de poucos enganos. Deve ser a tal intuição feminina. Era mesmo. Mais uma surpresa. Estamos numa adega gigante, com as enormes talhas encostadas à parede e meia dúzia de mesas a preencher a sala. Da cozinha sai um jovem cheio de genica e agradáveis iguarias num equilíbrio instável que acaba numa das mesas com gente ansiosa pelo petisco.


É uma adega especial onde ainda se fabrica o conhecido vinho da região. De aspecto simples e castiço, esta casa com bancos e mesas de madeira oferece uma enorme variedade de pratos típicos do Alentejo: Cacholeira Assada, Sopa de Cação, Bacalhau à Talha, Migas Alentejanas, Cacholas, Burras Assadas no Forno, Ensopado de Borrego, Cozido de Grão ou Carapaus Fritos com Miolos de Tomate. Para sobremesa: Sericáia com Ameixa, Leite-Creme com Bolacha, Doce de nata e Pudim de Ovos. Encerra de Agosto a Outubro. Nestes meses fabrica-se vinho lá na casa. E é óptimo!


O jovem, bem-humorado, fica satisfeito quando lhe dizemos que viemos aconselhados pelo roteiro da Visão que lhe atribui boa fama. Ai é? Bem já cá esteve o José Hermano Saraiva a gravar um programa. Lembram-se? Não nos lembramos. Agora isto. Um dia destes o Liedson marca um golo, levanta a camisola e lê-se: "Restaurante a Talha", em Borba. Teve graça o rapaz, mas não me parece. Os patrões da bola já acabaram com esse tipo de entusiasmos. Não lhe dizemos, depois de nos servir com tal simpatia não merece o desgosto. Preço médio, 5 euros. Parece mentira.


E depois de tantos atropelos à dieta, que juramos só trair aos fins-de-semana, acabamos em repouso no local que nos levou ao Alentejo. O Monte dos Pensamentos, em Estremoz. Os proprietários são simpáticos e afáveis, e o local tem o que procuramos, um silêncio quase total. Casa rústica e muito bem decorada dentro do estilo da região, tem todos os luxos que se pedem num local vocacionado para o turismo com cores rurais. Os preços são simpáticos e o conselho não pode ser outro: ideal para quem está em fuga desesperada da "canseira" urbana. Ali ao lado está Estremoz, cidade de muitos encantos e que merece uma visita atenta e demorada.


Quem vem de Estremoz, vira em direcção a Lisboa mas não entra na auto-estrada. Logo a seguir vira à direita e ALTO.... a 50 metros, rigorosamente, está a entrada do Monte. Se não abrandar acontece-lhe o mesmo que a nós... demoramos mais um bocadinho. Já sei miúda, a culpa é minha. Falta-me a intuição. És mesmo distraído! Pois sou!

António Esteves, in Opinião (20-4-2005), SicOnline (www.sic.sapo.pt)

19 de abril de 2005

Habemus Papam!

Acaba de sair o fumo branco da chaminé da Capela Sistina, onde se encontrava reunido o conclave de cardeais, que com este sinal indicam a eleição de um novo Papa.

O Papa eleito é o cardeal Joseph Ratzinger, que adoptou o nome de Bento XVI!

Na oração Urbi et Orbi, pronunciada da varanda principal da basílica de S. Pedro, na cidade do Vaticano, e perante largos milhares de fiéis que o aclamaram, O Papa Bento XVI pediu as orações dos fiéis pelo seu pontificado.

Viva el Papa!

8 de abril de 2005

A semana em revista

Esta semana foi claramente marcada pela morte do Papa João Paulo II, no último sábado, e que levou à concentração de milhares de peregrinos em Roma. Foram impressionantes as intermináveis filas de fiéis, que chegavam a esperar cerca de 15 horas para poderem prestar uma última homenagem a João Paulo II.
Hoje o mundo parou, e os sinos tocaram em todo o mundo, para um último adeus ao Papa, que foi hoje a sepultar na Cidade do Vaticano.

A par disto, a comunicação social portuguesa conseguiu acompanhar ao minuto o que se passava na Cidade do Vaticano, enchendo as suas emissões com as referidas 'notícias'.
Não deixa de ser triste notar que os 'Media' portugueses continuam bastante longe de serem a referência do jornalismo, de outra forma não se perceberia o facto de os principais telejornais, a emitirem em 'prime-time', dedicarem durante toda a semana cerca de 30 minutos dos blocos noticiosos a este tema, cobrindo e noticiando o necessário e o desnecessário. O que mais me inquieta não é o facto de isto ter ocorrido, mas sim o facto de situações idênticas serem uma constante na televisão portuguesa.


A semana é também marcada pela morte do príncipe Rainier III do Mónaco, vítima de doença prolongada, chefe de estado do mais pequeno estado do mundo. Durante o seu reinado, o pequeno principado, foi aceite como membro das Nações Unidas e viu a sua posição de estado sair reforçada. Na linha de sucessão encontra-se o príncipe Alberto, que rege o principado desde o internamento do seu pai.


No plano interno, o Presidente da República decidiu vetar uma série de diplomas aprovados pelo anterior governo, e que segundo Jorge Sampaio deveriam ser aprovados pelo governo de José Sócrates. Entre os diplomas vetados encontra-se o diploma que aprova o estabelecimento da zona de jogo da Serra da Estrela, projecto aprovado pela Inspecção Geral de Jogos, e já com prazos definidos para o início das obras do novo casino. Mais uma vez se percebe porque é tão dificil agilizar a função pública e os processos de decisão.

Iniciaram-se também os trabalhos da sétima revisão constitucional na Assembleia da República, que se destinam a tornar possível o referendo a Tratados Europeus e a permitir a coincidência de referendos com eleições gerais.

4 de abril de 2005

O Elogio do Sacrifício

Por Miguel Portas

No momento em que escrevo, o estado de saúde de João Paulo II é muito precário. O eclesiástico das más notícias já se encontra em Roma e, a 31 de Março, foram dados os últimos sacramentos. Mesmo que o Papa recupere momentaneamente, a doença de Parkinson avançou o suficiente para que o destino siga as leis da vida. Nesta circunstância, hesitei em escrever. Estas linhas serão sempre interpretadas como as de um texto fúnebre avant la lettre. Corro, no entanto, o risco. Porque é ainda em vida que posso escrever com franqueza sobre a ambivalência que a figura deste Papa me suscita.

Primeiro, o aviso como sabem, não sou cristão. Recorro a uma frase que Karol Wojtyla proferiu em Roma, na viragem do século: "Pela primeira vez na História da Humanidade, há um homem que vive como se Deus não existisse: o homem europeu." Eu pertenço a esse homem. E no entanto a este homem nem João Paulo II nem o seu Deus são indiferentes.

Segundo, a advertência apesar de ateu, penso que a religião não é uma questão exclusiva do foro privado de cada um(a) dos seus praticantes. Deus - o deus que cada crente faz seu - é privado. Mas a religião é uma invenção humana. A mais perene e poderosa delas. Para o pior e o melhor, só pode existir no espaço público. A necessária separação entre Estado e religião não é a remissão desta última a qualquer "gineceu" dos tempos modernos. Por dois motivos sucessivos: porque pode a religião recuar entre o Homem, nomeadamente o europeu, mas nem por isso a religiosidade diminuir. E porque a religião é uma história milenar de poder. A importância de João Paulo II é, aliás, a que decorre de uma marcante intervenção no espaço público ao longo de um quarto de século. Marcante e coerente, acrescente-se.

A citação a que recorri define a preocupação central deste Papa. Dela decorre todo um programa evangélico e político. O fio invisível que liga o seu anticomunismo dos primórdios à actual recusa da guerra preventiva, é uma leitura preocupada e angustiada sobre os tempos modernos que prescindem de Deus. E é essa difícil relação com o processo de laicização das sociedades ao longo do século XX que igualmente explica o seu conservadorismo em matéria de hábitos. Ou a defesa das prerrogativas indevidas que a Igreja ainda mantém em muitos países.

As posições antiquadas que a instituição continua a ter sobre preservativo, aborto, escolha sexual ou até o lugar da mulher na própria Igreja não a ajudaram particularmente. Nem o facto de a hierarquia continuar a pensar que os critérios morais que reclama para os seus devem ter força de lei para todos.

Não partilho do diagnóstico. Não é a Igreja que está bem num mundo que piora. Ao contrário, julgo que a Igreja precisa de mudar para que o mundo melhore. Mas sei reconhecer a mudança onde existe. Em particular nos últimos anos, João Paulo II teve a coragem de de-senvolver uma crítica sistemática da guerra. Chamou insistentemente a atenção para as injustiças geradas pela civilização individualista do capitalismo. Teve a lucidez de contrariar quantos queriam - e querem - levar o mundo para um real choque de tradições civilizacionais. E assumiu uma posição muito digna sobre os fenómenos da imigração, ao arrepio do cinismo das políticas dominantes. Este legado é inestimável. Porque ao longo da História da Igreja não foram muitos os Papas que puseram as pombas brancas a voar na Praça de São Pedro. Mais que o seu diagnóstico sofrido sobre a vida, conta o modo como se entregou ao seu mundo. Ele é "o incansável". Mesmo na doença, e principalmente nela, assume, até ao último suspiro, o rosto do sacrifício. Há algo de "desumano" - ou "sobre-humano" - nestes dias finais, na voz que se esvai e na janela que fala, silenciosa.

Uma igreja mais gentil teria convencido o seu Papa à resignação. Mas a insistência deste é um epílogo que entendo - à altura do desafio que a si próprio se atribuiu. É o elo que, simbolicamente, une a sua missão ao momento fundador da tradição cristã. Que tal ocorra em plena quadra pascal apenas acrescenta força à obstinada vontade dos últimos dias. Respeito e admiração, portanto. Até no adeus foi consistente com a sua vida.

2 de abril de 2005

Morte do Papa João Paulo II

O Papa João Paulo II morreu hoje às 21h37, hora de Itália, 20h37 em Lisboa.

Morre aos 84 anos, depois de ter sido o Papa peregrino, de ter levado a fé católica e a mensagem de cristo até aos confins do mundo, depois de um incanssável trabalho de evangelização.
Morre depois de ter sobrevivido a um atentado em 1981, de ter suportado a doença de Parkinson desde finais dos anos 80 e desde o princípio deste ano problemas respiratórios.

O anúncio foi feito pelo Vaticano.
Fecha-se assim um pontificado iniciado há 27 anos, a 16 de Outubro de 1978

Deus Guarde O Papa!